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Museu marítimo de construção naval

 

Quem anda por estas terras, apercebe-se, facilmente, que a média de vida é cada vez mais alta. Os censos, de dez em dez anos, confirmam-no.

As pessoas, embora idosas, são ciosas das suas tradições. São elas os garantes de memórias que constroem a identidade de cada localidade e de cada ilha. No ocaso da vida, a saudade tonifica a existência e resguarda vivências pessoais e coletivas que constituem um esteio do presente.

Tudo isto a propósito de um museu particular, o Museu Marítimo – instalado em Santo Amaro do Pico, junto à rampa, por onde foram lançadas ao mar largas dezenas de embarcações de médio porte. Conheci o seu proprietário, José Silva Melo, na década de 80. Residia em Bristol, EUA, numa casa, tendo anexa uma completa oficina de carpintaria.

Em 1958, seu irmão e meu colega, Eugénio da Silva Melo, também ele com uma vocação inata para o desenho, ao passar pela avenida olhava para o saco da doca de Ponta Delgada e dizia: « quem construíu aquela traineira «  Ilhéu », da Corretora, foi meu irmão José ».

Desse tempo, ficaram memórias que o desenhador de iates e embarcações de recreio de uma fábrica de Bristol, conservava cuidadosamente na sua oficina: recortes de jornais, fotografias, miniaturas de embarcações picarotas e, um enorme entusiasmo de contar estórias do seu passado de ilhéu. Mostrava essas recordações, com um brilho nos olhos e uma alegria, como se vizualizasse a bonita traineira, retratada num postal turístico que  correu mundo.

A sua menina dos olhos, porém, era uma grande ventoinha, por ele construída, que fornecia energia à sua residência. Foi, certamente, o seu maior invento, pois trouxe-a dos Estados Unidos e instalou-a na sua casa de Santo Amaro.

Passei por lá um dia destes e estranhei a porta fechada, pois nos baixos da sua casa passava a maior parte do dia, recebendo visitantes e construindo peças de artesanato.

Que teria acontecido? « O José de Melo voltou à América e talvez não regresse mais aqui... » disse-me o mestre Carlos Melo – o endireita de Santo Amaro, como é conhecido. « Ele teve um AVC como eu, mas não recuperou. Eu fiquei sem me mexer, mas como vês, já ando. Ainda agora vim da América. Fui lá com a minha filha e quando cheguei começei logo a trabalhar. Ainda hoje já me bateram à porta 18 pessoas. Agora até os médicos me mandam os doentes e só quando eu não posso fazer nada é que eles vão para o hospital. »

E José de Melo, filho de Manuel Joaquim Melo, construtor naval a quem ele dedicou o seu museu bem como aos outros construtores navais: José Teixeira Costa, Júlio Matos e João Alberto que criaram novas traineiras de madeira adequadas à captura de atum de salto e vara? Que é feito das suas obras criativas?

José de Melo preocupou-se em guardar documentos fotográficos, moldes, ferramentas da construção naval e artefactos. Quem entrava no museu, admirava-se como um emigrante « retired » (reformado), se preocupava tanto com a preservação da memória e da identidade de uma atividade que dinamizou aquela pequena localidade da costa norte do Pico.

José de Melo talvez « não regresse mais aqui ». À porta, a informação: « closed ».

Será que um dia destes, alguém abrirá a porta para mostrar o espólio do criativo construtor naval que tantos iates de recreio projetou?

Como José de Melo, há tantos outros emigrantes, regressados à pátria, interessados em revelar memórias que, ao longo dos anos foram arrecadando, apenas com o intuito de afirmar a sua identidade e matar saudades de outros tempos e de outras vivências.

Porque este museu está fora da rede oficial, será que vai cair no esquecimento e continuar « closed »?

Ou será que vale a pena fazer dele o embrião do tão falado museu marítimo de contrução naval há muito reivindicado e que ainda não passou do papel?

 

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